terça-feira, 24 de setembro de 2013

''Os poetas místicos são filósofos doentes, 
E os filósofos são homens doidos. 
Porque os poetas místicos dizem que as flores sentem 
E dizem que as pedras têm alma 
E que os rios têm êxtases ao luar. 

Mas as flores, se sentissem, não eram flores, 
Eram gente; 
E se as pedras tivessem alma, eram coisas vivas, não eram pedras; 
E se os rios tivessem êxtases ao luar, 
Os rios seriam homens doentes.''

                                                                                      Alberto Caeiro

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

você e a lua

Entra aqui dentro.
Aí fora tá tão frio.
O vento está desfazendo teus cachos
e está ressecando os seus lábios,
mas eu bem que gosto da sua boca vermelha
e do teu cabelo bagunçado.
Vamos tomar um suco
ou um café?
Você prefere vinho?
Vamos desligar a tevê, o celular.
Vamos desligar tudo que nos atrapalhar
pra que possamos conversar melhor.
Gosto tanto de te ouvir.
Me diz como foi o teu dia.
Me canta uma música
e eu te faço uma poesia.
Topa um filme embaixo das cobertas?
Talvez um jantar improvisado.
Uma pizza que tal?
Depois as estrelas e a lua como sobremesa para as almas
e o teu cheiro
como oxigênio pra mim.
Se não for pedir muito
que tal um beijo?

                                                                                                   Helena Vicente

quinta-feira, 12 de setembro de 2013


Por que me descobriste no abandono
Com que tortura me arrancaste um beijo
Por que me incendiaste de desejo
Quando eu estava bem, morta de sono
 
Com que mentira abriste meu segredo
De que romance antigo me roubaste
Com que raio de luz me iluminaste
Quando eu estava bem, morta de medo
 
Por que não me deixaste adormecida
E me indicaste o mar, com que navio
E me deixaste só, com que saída
 
Por que desceste ao meu porão sombrio
Com que direito me ensinaste a vida
Quando eu estava bem, morta de frio


Chico Buarque

Estufando

A gente se mantém
com tudo aquilo que não podemos cuspir.
E a vida vai seguindo,
vai se enchendo,
enchendo tanto até desabar.
Buscamos outros caminhos,
mas sempre com a mesma finalidade.
Por quê?
Porque somos fracos.
Somos patéticos.
E eu também.
Eu sou tudo que já foi pra lá.
Eu sou tudo que já foi engolido.
Vomitado.
Recriado.
Eu continuo na mesma
em outra direção.

                                                                                  Helena Vicente

segunda-feira, 2 de setembro de 2013

A Casa Amarela

Casacos de lã.
Blusas de renda.
A solidão andava junto com o café.
As flores mortas no jardim.
No quintal um banco,
velho, cheio de lembranças.
Trazia as histórias cheias de vida,
mas agora virou apenas um banco.
As histórias são lidas
são contadas ainda pra quem quer ouvir,
são da vida que passou voando
pelo quintal já sem cor.
Nada mais que uma senhora frígida
aqui restou,
que de tanto usar renda,
acabou se rendendo
aos anos que passaram voando
pelos seus olhos sem esperança.
Sentia falta sim,
mas a falta não era o suficiente.
Se sentia morta já,
pois os seus sentimentos foram enterrados
junto com as pessoas que já não estão.
Bebia café.
Manchava as camisetas,
não ligava pra isso,
ela só estava acostumada com o amargo
que na sua boca ganhou morada.

                                                                                         Helena Vicente